terça-feira, 6 de agosto de 2013

Festejos do São João de 1923



Organizados pelo Clube Português com danças de roda, cantigas, guitarradas, descantes, bailados e desafios com os grupos do Minho e de Coimbra (trincanas e estudantes), os festejos do São João ocorreram na noite de 23 junho de 1923, no Jardim da Aclimação (hoje Parque da Aclimação).
Formaram-se dois grupos: os minhotos apresentaram as seguintes canções populares: A moda da Rita, As alcachofras, O ribeirinho, As fogueiras, A rolinha e Amor saloio. Os coimbrenses interpretaram: Apanhar o trevo, Os serranos, Alvoradas, Viras tu Viro eu, O balance e A chula.
Antes da festa começar, o bibliotecário e diretor cultural da entidade, Antônio D’Almeida D’Eça recitou “Reinações na noite de S. João”, não encontramos referências ao autor:

Ao bater das vinte e meia
(Pra que a moderna se diga)
No ar estoiram as bombas,
Rebenta, em baixo, a bexiga!
O Zé da Gaita, imponente,
Ao do bombo faz sinal!
Tudo bufa; e desses bufos
Sai o Hino inicial!
Ao som da banda, que anima
O recinto da folia,
Entra em cena a Tia Anica,
O Manél, Mail – a Maria!
A Tia vem, já se vê,
Para maior luzimento,
A cabeça do cortejo
Repimpada num jumento!
E para animar o bicho,
(Criança a pedir carinhos)
Harmoniza-se as orelhas
O Zé que toca os ferrinhos!
Sebastião vem depois
Junto da cara metade;
Ela montada; ele a butes,
Para andar mais à vontade.
E se o burro, não puder
Com tamanho contrapeso,
Sebastião aguentará
Porque é forte, rijo e teso!
O Victorino, que é fino,
E tem dedo pro negócio,
Leva o Barbosa p’lo braço,
E vai lhe dizendo: “Ó sócio,
Repara nesta alegria,
Neste povo tão bonzinho,
Que nos vai pagar os bolos
E engolir o rico vinho!
Mas haja lume no olho,
Pois com tanta animação,
Não faltará quem avance,
Pra no fim ferrar o cão!”
Logo depois vêm os “Caixas”
A rufar com toda a gana
Mostrando não ser preciso
Que lhes bufem co’uma cana!
O Isidro e a Genoveva,
Vem atrás dando à perna,
E neste dar tão gaiteiro,
Dão entrada na taberna.
A seguir dá-se começo
A função de dar ao dente;
Os bolos passam da tenda
Para a guela da gente.
Das pipas jorra o verdasco,
Dos pratos saltam as iscas,
E nesta grande folgança,
Neste petisco-petiscas,
Ouvem-se fora arruídos,
Estalos, risos, descante:
- São trincanas que chegam
P’lo braço dos estudantes;
São os Maneis e as Marias
Que do Minho vão mostrar
A viva graça do povo
Na arte de bem dançar.
Rapazes e raparigas,
Na mais bela animação,
Começam as desgarradas
Em honra a S. João.
Desafios, guitarradas,
Fadinhos, danças, canções,
Tudo ali é permitido,
Tudo, sim, menos pifões!
Nem pifões, bem bebedeiras,
Nem graxa, rosca ou cartola!
Porque, enfim, tudo é tachada,
Tudo diz: peso na bola!
Quando muito, é tolerável,
Como antiga e alegre prática,
Ter um grãozinho na asa
Ou dois dedos de gramática!
Por isso, ninguém suponha
Que se pode alambazar,
Sem que ao nosso Regedor
Tenha contas a prestar!
Vai ser uma reinação,
Uma festa por aí fora,
Desde o princípio da noite
Até ao romper da aurora.
E não vai mais pra diante
Porque a vida são dois dias
E o canastro, a pedir cama,
Não vive de romarias!
Na barraca, a Tia Anica,
Sem nada mais pra trincar,
Fecha a porta, apaga a vela,
Ferra o galho, e entra a nanar!
E depois de tudo isto
Quem é que bebe do fino?
Quem preparou a festança?
Ora quem?!



Tipos do Minho
A moda da Rita
Seu eu quisera amores
Tinha mais d'um cento,
Bonecos de palha
Olaré!
Cabeças de vento.
Esta foi a moda
Que a Rita cantou:
Lá na Praia Nova
Olaré!
Ninguém lhe ganhou.
Ninguém lhe ganhou,
Ninguém lhe ganhava,
Esta era a moda
Olaré!
Que a Rita cantava.
Se eu quisera amores
Tinha-os às mãos cheias,
Rapazinhos loiros
Olaré!
Que vêm das aldeias.
Esta foi a moda
Que a Rita cantou:
Lá na Praia Nova
Olaré!
Ninguém lhe ganhou.
Ninguém lhe ganhou,
Ninguém lhe ganhava,
Esta era a moda
Olaré!
Que a Rita cantava.
Eu não quero amores,
Quem gosta repete;
Se uma mor se vai
Olaré!
Ficam seis ou sete.
Esta foi a moda
Que a Rita cantou:
Lá na Praia Nova
Olaré!
Ninguém lhe ganhou.
Ninguém lhe ganhou,
Ninguém lhe ganhava,
Esta era a moda
Olaré!
Que a Rita cantava.
Se eu quisera amores
Tinha-os aos punhados,
Mas não quero amores,
Olaré!
Não quero cuidados.
Esta foi a moda
Que a Rita cantou:
Lá na Praia Nova
Olaré!
Ninguém lhe ganhou.
Ninguém lhe ganhou,
Ninguém lhe ganhava,
Esta era a moda
Olaré!
Que a Rita cantava.

Tipos de Coimbra
Apanhar o trevo
Quem está bem deixa-se estar
E eu não posso estar melhor;
Estou a beira de quem amo,
Não há regalo maior.
Apanhar o trevo,
Ó Maria, não te encolhas.
Apanhar o trevo,
O trevo de quatro folhas.
Nossa Senhora faz meia
Com linha de luz;
O novelo é a lua cheia,
As meias são pra Jesus.
Apanhar o trevo,
O trevo no chão,
Apanhar o trevo
Na manhã de São João.
Amas a Nosso Senhor,
Que morreu por toda a gente;
Só a mim não tens amor,
Que morro por ti somente.
Apanhar o trevo,
O trevo na areia,
Apanhar o trevo
Na noite de lua cheia.
Se queres que te não queira,
Pede a Deus pra que me chame:
Pois nem Deus d'outra maneira
Consegue que eu não te ame.
Apanhar o trevo,
O trevo no cisco
Apanhar o trevo
No dia de São Francisco.
Coimbra, toda em descantes,
É uma guitarra a chorar;
As cordas são as amantes,
O trovador é o luar.
Apanhar o trevo,
Ó Maria, não te encolhas.
Apanhar o trevo,
O trevo das quatro folhas.


***


 Todas as cantigas destes festejos foram editadas em um livreto pela secretaria do Clube Português, composto e impresso nas oficinas de Júlio Costa & Cia (sócio fundador da entidade). A venda arrecadada com os livretos foram revertidas em benefício do monumento do Dr. Pereira Barreto e das Caixas Portuguesas de Repartição. Os desenhos do livro são de autoria do artista José Wasth  Rodrigues, o mesmo que fez o ex-libris da biblioteca do Clube.
Grupo de Coimbra: cantadeiras e tocadores

Grupo Minhoto
Todas as fotos desta postagem pertencem ao acervo da Biblioteca Portuguesa de São Paulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário